Wednesday, June 27, 2007

Policial de cordel - #01

Uma música tocava roufenha no velho rádio que tenho no escritório.
Olho para a secretária e vejo as minhas únicas amigas, a minha Mauser 7,65 e uma garrafa de Bushmill’s. A noite estava tempestuosa e a chuva batia com força nos vidros da janela. Bebi um longo golo de whisky que me aqueceu os ossos e fez-me ficar feliz por estar vivo.
O meu nome é Espada, Samuel Espada e sou detective privado.
Estava a juntar as últimas peças do puzzle do caso que tinha entre mãos quando ela entrou de rompante. Cheirou-me a problemas. Nenhuma mulher com aquela classe entrava num escritório de um detective a não ser que tenha problemas. E ela exalava-os como a um perfume doce e intenso. Estava encharcada e tiritava de frio, tirou a gabardine e pediu-me um cigarro e um copo de whisky.
Chamava-se Vera e disse-me que precisava da minha ajuda.
Olhei-a atentamente e percebi que era de classe alta, uma dessas mulheres da sociedade que casaram por dinheiro. Cobrei-lhe a tarifa máxima, €60 por hora mais despesas, e ela confirmou-me o que já desconfiava, “Dinheiro não é problema.”
Queria que seguisse o marido. Ela desconfiava que estava a ser enganada, e eu percebi que o que ela queria era provas para apresentar no tribunal. Aceitei o caso. Que mais poderia fazer? A vida de um detective privado é difícil e um caso de caras como este não é todos os dias que aparece.
Ela disse-me que marido costumava ir a um sitio chamado o “Querubim D’Ouro”. Um clube chique onde a bebida e as mulheres valem o seu peso em ouro. Reconheci-o por uma fotografia que me tinha dado.Estava numa mesa de canto rodeado por meninas demasiado novas e demasiado embriagadas de álcool e promessas de dinheiro para notarem que ele não passava de um velho tarado.

Sonho

Uma sala vazia, branca. O chão de soalho corrido à portuguesa. No centro da sala uma chaise longue de damasco branco reposa sobre um tapete felpudo. Atirado descuidadamente sobre o móvel, um pano grosso de algodão, tingido de vermelho. A sala é iluminda por quatro grande candelabros em ferro forjado, um em cada canto. Na parede oposta à porta por onde entro existe uma outra de acesso a um pequeno jardim murado. Passo-a. À minha frente existe uma vereda ladeada de buchos pequenos, existem árvores de frutos cuidadas com amor. No centro da vereda, um canal esculpido em pedra, trás água de uma fonte rocócó. Está lua cheia, e o céu estrelado enche o jardim. Sento-me num banco de pedra, polido pelo uso, e deixo-me invadir pelo conforto sob um lençol de estrelas, o canto da água e a luz trémula das velas.
Tudo é perfeito.

Thursday, June 21, 2007

Estive doente.
Além de ser um estado que pouco me cativa, acho impressionante o poder que organismos microscópicos têm sobre nós. Um golpe de vento mal intencionado e pás! estamos doentes.
Como bom exemplar do meu género, os queixumes que eu dava eram tais que a minha reles constipação poderia ser confundida, à primeira vista, com a amputação de uma perna, sem anestesia.
Agora que já passou, o que mais noto é o alívio de não estar doente. É uma sensação em tudo semelhante à de satisfazer um intenso aperto urinário. Uma espécie de torpor e uma estúpida sensação de felicidade.

Friday, June 1, 2007

Metrísses

O metropolitano de lisboa, como qualquer meio de transporte público, é um caldeirão de experiências e de tipos populares. Hoje, contactei com uma das mais antigas espécies populares que, julagava eu, já estaria à muito extinta: a criada de fora.
Não só as duas senhoras serviçais eram de uma singeleza popular, perpétuando a personagem, como também cada uma delas era verdadeira aos tiques da sua região Natal.
Uma nitamente lisboeta, tinha a típica pronuncia com os "chigastichs", os "ádes" e os "não querech lá véri" etc. Imaginei-a em Alfama a lavar a soleira da porta a gritar para a vizinha do primeiro esquerdo os últimos mexericos da rua.
A outra era da Beira Alta. Criada nas fragas da serra, de braços fortes habituados a pôr o panelão na mesa e a obrigar os meninos mais avessos a sopas a ingerirem o sustendo. Claro que tinha bigode e de cada vez que falava, o seu sotaque sibilante, lançava uma chuva de perdigotos.
Folgo em notar que o Português de Eça ainda vive. Anda perdido sobre capas de telemóveis mas ainda se nota lá.