Tuesday, November 20, 2007

e... PUFT!

Gosto da palavra PUFT. Não se poderá considerar como uma palavra, é mais um som traduzido apenas por quatro letras. Lembra-me a minha infância em que o mundo mudava quando diziamos esta "palavra": PUFT!, aparecia um castelo; PUFT!, aparecia um dragão para combater; depois, um grande PUFT! geral, para fazer desaparecer tudo de uma única vez quando era hora de irmos lanchar. O problema do PUFT era quando implicava, como consequência, umas palmadas no rabo ou um castigo. Nessa altura aplicávamos o PUFT! e estávamos de novo na rua.

Friday, November 16, 2007

Amén!

Só tenho um vício: a mesa.
Como bom português sou pessoa que aprecia petiscadas, churrascadas, sardinhadas, e outros momentos em que a designação sofre do sufixo "ada". Gosto da forma como o acto é encarado de forma solene, quase religioso. Todos em redor da mesa, esperamos a vinda do petisco redentor que salve os nosso estômagos da amargura. A petinga de escabeche, ou a rodela de bom enchido, transforma-se na hóstia sagrada e Deus sabe que já me apeteceu dizer muitas vezes amén depois de provar certas preciosidades gastronómicas.

Tuesday, July 3, 2007

Policial de cordel - #02

Sentei-me ao balcão. Pedi o mesmo whisky de sempre, Bushmill’s com uma pedra de gelo.
Uma nota de €20 soltou a língua ao barman.
Revelou-me que o Sr. Dr. Carlos Brown tinha o hábito de escolher uma ou duas meninas e pedir ao seu motorista que o levassem até à sua casa de praia. A minha tarefa era simples. Segui-los tirar umas fotografias do velho em flagrante delito e entregá-las à sua amantíssima esposa.
Depois de dois copos vi o velho a levantar-se. Cambaleava como um junco numa tempestade, e se não fossem as suas duas “meninas” acredito que não conseguiria chegar ao carro.
Segui-os a uma distância segura até uma casa no topo de uma falésia isolada. O mar lá em baixo estava revolto e negro. Não havia lua, o que facilitava a minha tarefa. Inspeccionei a geografia que rodeava a casa e encontrei um ponto alto de onde podia observar.
Uma janela iluminou-se e eu saquei da Leika com teleobjectiva, roubada numa rusga da policia, e apontei-a para a janela do quarto.
O velho era ainda mais tarado do que pensava. Gostava de brincar aos comboios e de ser o chefe maquinista e fogareiro. Gastei dois rolos de 35mm e achei que tinha provas suficientes para considerar que minha tarefa estava cumprida. Tinha sido o caso mais fácil da minha carreira.
Da casa, trazidos pela brisa marítima, chegavam gritos de prazer quando decidi ir-me embora.
De repente ouviu-se o ladrar de uma arma.
Voltei a empunhar a Leika em direcção à janela do quarto e vi o velho estendido no chão. Alguém tinha achado que a parede do fundo do quarto precisa de um novo quadro e decidiram pintá-lo com os miolos do velho.
Decidi esquecer o meu disfarce e correr para a casa.

Wednesday, June 27, 2007

Policial de cordel - #01

Uma música tocava roufenha no velho rádio que tenho no escritório.
Olho para a secretária e vejo as minhas únicas amigas, a minha Mauser 7,65 e uma garrafa de Bushmill’s. A noite estava tempestuosa e a chuva batia com força nos vidros da janela. Bebi um longo golo de whisky que me aqueceu os ossos e fez-me ficar feliz por estar vivo.
O meu nome é Espada, Samuel Espada e sou detective privado.
Estava a juntar as últimas peças do puzzle do caso que tinha entre mãos quando ela entrou de rompante. Cheirou-me a problemas. Nenhuma mulher com aquela classe entrava num escritório de um detective a não ser que tenha problemas. E ela exalava-os como a um perfume doce e intenso. Estava encharcada e tiritava de frio, tirou a gabardine e pediu-me um cigarro e um copo de whisky.
Chamava-se Vera e disse-me que precisava da minha ajuda.
Olhei-a atentamente e percebi que era de classe alta, uma dessas mulheres da sociedade que casaram por dinheiro. Cobrei-lhe a tarifa máxima, €60 por hora mais despesas, e ela confirmou-me o que já desconfiava, “Dinheiro não é problema.”
Queria que seguisse o marido. Ela desconfiava que estava a ser enganada, e eu percebi que o que ela queria era provas para apresentar no tribunal. Aceitei o caso. Que mais poderia fazer? A vida de um detective privado é difícil e um caso de caras como este não é todos os dias que aparece.
Ela disse-me que marido costumava ir a um sitio chamado o “Querubim D’Ouro”. Um clube chique onde a bebida e as mulheres valem o seu peso em ouro. Reconheci-o por uma fotografia que me tinha dado.Estava numa mesa de canto rodeado por meninas demasiado novas e demasiado embriagadas de álcool e promessas de dinheiro para notarem que ele não passava de um velho tarado.

Sonho

Uma sala vazia, branca. O chão de soalho corrido à portuguesa. No centro da sala uma chaise longue de damasco branco reposa sobre um tapete felpudo. Atirado descuidadamente sobre o móvel, um pano grosso de algodão, tingido de vermelho. A sala é iluminda por quatro grande candelabros em ferro forjado, um em cada canto. Na parede oposta à porta por onde entro existe uma outra de acesso a um pequeno jardim murado. Passo-a. À minha frente existe uma vereda ladeada de buchos pequenos, existem árvores de frutos cuidadas com amor. No centro da vereda, um canal esculpido em pedra, trás água de uma fonte rocócó. Está lua cheia, e o céu estrelado enche o jardim. Sento-me num banco de pedra, polido pelo uso, e deixo-me invadir pelo conforto sob um lençol de estrelas, o canto da água e a luz trémula das velas.
Tudo é perfeito.

Thursday, June 21, 2007

Estive doente.
Além de ser um estado que pouco me cativa, acho impressionante o poder que organismos microscópicos têm sobre nós. Um golpe de vento mal intencionado e pás! estamos doentes.
Como bom exemplar do meu género, os queixumes que eu dava eram tais que a minha reles constipação poderia ser confundida, à primeira vista, com a amputação de uma perna, sem anestesia.
Agora que já passou, o que mais noto é o alívio de não estar doente. É uma sensação em tudo semelhante à de satisfazer um intenso aperto urinário. Uma espécie de torpor e uma estúpida sensação de felicidade.

Friday, June 1, 2007

Metrísses

O metropolitano de lisboa, como qualquer meio de transporte público, é um caldeirão de experiências e de tipos populares. Hoje, contactei com uma das mais antigas espécies populares que, julagava eu, já estaria à muito extinta: a criada de fora.
Não só as duas senhoras serviçais eram de uma singeleza popular, perpétuando a personagem, como também cada uma delas era verdadeira aos tiques da sua região Natal.
Uma nitamente lisboeta, tinha a típica pronuncia com os "chigastichs", os "ádes" e os "não querech lá véri" etc. Imaginei-a em Alfama a lavar a soleira da porta a gritar para a vizinha do primeiro esquerdo os últimos mexericos da rua.
A outra era da Beira Alta. Criada nas fragas da serra, de braços fortes habituados a pôr o panelão na mesa e a obrigar os meninos mais avessos a sopas a ingerirem o sustendo. Claro que tinha bigode e de cada vez que falava, o seu sotaque sibilante, lançava uma chuva de perdigotos.
Folgo em notar que o Português de Eça ainda vive. Anda perdido sobre capas de telemóveis mas ainda se nota lá.

Tuesday, May 29, 2007

Idiotices Serviçais

Há uma certa visão que quanto mais penso nela, mais idiota me parecem as profissões no sector de serviços.
Chega-se a trabalhar 14, 16 e 18 horas para termos dinheiro, para pagar a outros para fazerem em nossa casa o que nós não temos tempo de fazer, porque estamos ocupados a ganhar dinheiro. Ou seja: estamos a ganhar dinheiro para pagar a outra pessoa, para fazer algo que, se nós estivessemos em casa, poderiamos fazer.
Mas o facto de não estarmos em casa, e sim a trabalhar, não reverte a nosso favor porque temos que pagar à pessoa que está em nossa casa a fazer o que nós deveriamos estar a fazer mas não temos tempo porque estamos a trabalhar para pagar a essa pessoa, porque não temos tempo.
Completamente idiota! Nestas alturas apetece-me gritar: "Vai p'a casa coser meias, pá!"

Friday, May 25, 2007

Chico esperto

A resposta, "queria, já não quer?" ao pedido de "queria uma bica faz favor", irrita-me menos do que a expressão que no outro dia ouvi.
Ao meu pedido gestual de mais imperiais para a minha mesa o empregado grita para o balcão: "São quatro imperialocas!"
Para mim a cerveja ficou imediatamente choca!

Thursday, May 24, 2007

Dois gajos

"- ... e aquele teu amigo maricas, como é que está?
- Ele não é maricas!
- Épá, ele dá-se com maricas e no outro dia vi-o com um gajo de mão dada....
- Bom... talvez seja maricas, mas não é meu amigo!
- Sim, ok, mas como é que está?
- Épá, não sei... ele não é meu amigo!"

Tuesday, May 22, 2007

Eu quero ir fazer chichi!

No outro dia estava a descer as escadas de acesso à gare do metro. O comboio estava a entrar na estação e todos os utentes a desciam com uma certa pressa. Um senhor de idade avançada, subia as escadas em sentido contrário, periclitantemente auxiliado por uma bengala. Uma boa samaritana que descia resolveu parar e avisar o idoso cavalheiro de que o metro estava mesmo a chegar e que se o queria apanhar deveria reverter o seu sentido de marchar. O ancião, fazendo cara de poucos amigos disse: "Sim, eu sei minha senhora, mas eu tenho que ir fazer chichi!".

Pandora

Todos queremos ser descobertos, mas será que nos querem descobrir?
Somos potenciais caixas de Pandora. Com a tampa aberta, podemos soltar todos os males do mundo. O problema não é quando são soltos os males, que disso o mundo está cheio. O problema é quando a mediocridade é solta. Temos obrigação moral de nos exceder, tentar sempre alcançar o que ainda nos é proibido. Quando nos contentamos com o que é fácil e com o que é rapidamente alcançado, sem procurar a perfeição, a superação de um desafio, conseguimos ser piores ainda do que o interior da Caixa da dita senhora. Somos uma nulidade.

Cabaret

Numa rua esconsa da cidade, uma porta abre-se diante de mim. Esconde um foier cheio de uma penumbra pesada pelo cheiro de tabaco. Um único foco de luz aponta para uma gaiola dourada com um papagaio embalsamado. O ex-animal está pintado de ouro e da sua pata esquerda pende uma etiqueta com algo escrito: “o silêncio é de louro”.
Deixo a minha gabardina ensopa, no bengaleiro, a uma senhora de idade com os lábios pintados de preto. Diz-me, “bem vindo!”.
À esquerda da sala, um balcão de bar forrado a latão reluzente. À direita um pequeno palco, onde três rinocerontes de tutu e de barba por fazer se acotovelam para mostrarem as suas tatuagens de guerra. Um deles exibe, com orgulho, uma boina vermelha trespassada por uma baioneta. Por baixo o lema: “os comandos nunca morrem”.
As mesas, à minha frente, são servidas por elefantes amarelos demasiado pequenos para serem africano. São nitidamente asiáticos. Sei que estão preocupados com o facto de serem amarelos. Têm icterícia, pensam eles. Para disfarçar pintam a trombas com baton cor de framboesa.
Por detrás, a atracção principal. Uma striper, com cabeça de basset hound, de enormes olhos chorosos dança para uma plateia de empresários do norte que riem alarvemente. Ela chora, mas tem a tanga cheia de notas de cinquenta euros.