Friday, November 28, 2008

Vamos à Índia e entretanto fazemos um cruzeiro

Cada dia de trabalho metade da população portuguesa faz, à outra metade, a seguinte pergunta: "Bom dia! Então, tudo bem?"
A esta pergunta surge a invariável resposta "Estava melhor na caminha!".
Isto faz-me pensar, seremos nós um povo de comodistas? Penso que sim.
A esta proposição surge imediatamente a questão seguinte: como é que um povo intrinsecamente comodista conseguiu fazer feitos tão altos como os ocorridos durante a expansão marítima. A resposta é simples, por preguiça.
D. Henrique ao ver a Europa toda evoluir e a enriquecer, como bom tuga que era, deu-lhe para a inveja dos vizinhos, mas a preguiça que lhe tolhia a alma foi mais forte e, num momento de descanso, pôs-se a pensar qual a melhor forma de enriquecer com o menor esforço possível. Depressa chegou à conclusão que o melhor seria ir à Índia comprar especiarias e vender aos "bifes" pelo quadruplo do preço. Apenas teria trabalho a carregar as naus mas, entretanto, na ida e na vinda ainda faziam um cruzeiro relaxante. Mas como exemplo acabado de tuguisse, decidiu ir à meia-bola-e-força e a coisa acabou por dar mais trabalho do que se estava à espera.

Friday, November 14, 2008

Cousa estranha é este engenho

A cidade é uma máquina. Uma máquina que engole e processa milhares e milhares de pessoas por dia. As estradas e linhas de comboio são as suas cintas de tranporte e de armazenamento. Somos empilhados, formatos, desenraízados e condenados ao anonimato. Alguns gosta de ser mais um peixe no cardume, mais uma sardinha nas várias latas em que vivemos. Por mim tenho saudades de um tempo que não vivi, viver ao ritmo das estações e do gado.

Deixamos de viver com o gado para vivermos como gado!

Wednesday, October 15, 2008

Problemas de Território

Qualquer um de nós que já tenha visto a BBC Vida Selvagem, sabe que é costume os machos de cada espécie marcarem os seus territórios com algum tipo de fluído corporal. Temos desde as impalas, que segregam uma feromona especial com que marcam as ervas altas dos seus domínios, até as nossos amigos canídeos que gostam, especialmente, de urinar contra vários tipos de mobiliário urbano e vida vegetal marcando, desta forma, o seu espaço exclusivo.

Ora acontece que, na empresa onde trabalho, temos machos que, receosos do seu lugar na sociedade e desejosos de marcarem o seu espaço, teimam em deixar umas pingas do líquido excretado no vaso sanitário e no chão que o suporta.

Como bem sabem, esta prática não tem tradução efectiva, pois o nosso olfacto é tão pouco desenvolvido que o líquido derramado não passa como marca de um determinado macho, mas sim como uma grandessíssima badalhoquice.

Desta forma, o macho, que exercendo o seu direito de tentar singrar na vida ao lado seus pares mais velhos, marcando o seu espaço, não o consegue e é até, quiçá, olhado com uma certa desconfiança.

Por isso, segui esta máxima nos vossos locais de trabalho: não marcai, mas sim abanai cuidadosamente!

Tuesday, November 20, 2007

e... PUFT!

Gosto da palavra PUFT. Não se poderá considerar como uma palavra, é mais um som traduzido apenas por quatro letras. Lembra-me a minha infância em que o mundo mudava quando diziamos esta "palavra": PUFT!, aparecia um castelo; PUFT!, aparecia um dragão para combater; depois, um grande PUFT! geral, para fazer desaparecer tudo de uma única vez quando era hora de irmos lanchar. O problema do PUFT era quando implicava, como consequência, umas palmadas no rabo ou um castigo. Nessa altura aplicávamos o PUFT! e estávamos de novo na rua.

Friday, November 16, 2007

Amén!

Só tenho um vício: a mesa.
Como bom português sou pessoa que aprecia petiscadas, churrascadas, sardinhadas, e outros momentos em que a designação sofre do sufixo "ada". Gosto da forma como o acto é encarado de forma solene, quase religioso. Todos em redor da mesa, esperamos a vinda do petisco redentor que salve os nosso estômagos da amargura. A petinga de escabeche, ou a rodela de bom enchido, transforma-se na hóstia sagrada e Deus sabe que já me apeteceu dizer muitas vezes amén depois de provar certas preciosidades gastronómicas.

Tuesday, July 3, 2007

Policial de cordel - #02

Sentei-me ao balcão. Pedi o mesmo whisky de sempre, Bushmill’s com uma pedra de gelo.
Uma nota de €20 soltou a língua ao barman.
Revelou-me que o Sr. Dr. Carlos Brown tinha o hábito de escolher uma ou duas meninas e pedir ao seu motorista que o levassem até à sua casa de praia. A minha tarefa era simples. Segui-los tirar umas fotografias do velho em flagrante delito e entregá-las à sua amantíssima esposa.
Depois de dois copos vi o velho a levantar-se. Cambaleava como um junco numa tempestade, e se não fossem as suas duas “meninas” acredito que não conseguiria chegar ao carro.
Segui-os a uma distância segura até uma casa no topo de uma falésia isolada. O mar lá em baixo estava revolto e negro. Não havia lua, o que facilitava a minha tarefa. Inspeccionei a geografia que rodeava a casa e encontrei um ponto alto de onde podia observar.
Uma janela iluminou-se e eu saquei da Leika com teleobjectiva, roubada numa rusga da policia, e apontei-a para a janela do quarto.
O velho era ainda mais tarado do que pensava. Gostava de brincar aos comboios e de ser o chefe maquinista e fogareiro. Gastei dois rolos de 35mm e achei que tinha provas suficientes para considerar que minha tarefa estava cumprida. Tinha sido o caso mais fácil da minha carreira.
Da casa, trazidos pela brisa marítima, chegavam gritos de prazer quando decidi ir-me embora.
De repente ouviu-se o ladrar de uma arma.
Voltei a empunhar a Leika em direcção à janela do quarto e vi o velho estendido no chão. Alguém tinha achado que a parede do fundo do quarto precisa de um novo quadro e decidiram pintá-lo com os miolos do velho.
Decidi esquecer o meu disfarce e correr para a casa.

Wednesday, June 27, 2007

Policial de cordel - #01

Uma música tocava roufenha no velho rádio que tenho no escritório.
Olho para a secretária e vejo as minhas únicas amigas, a minha Mauser 7,65 e uma garrafa de Bushmill’s. A noite estava tempestuosa e a chuva batia com força nos vidros da janela. Bebi um longo golo de whisky que me aqueceu os ossos e fez-me ficar feliz por estar vivo.
O meu nome é Espada, Samuel Espada e sou detective privado.
Estava a juntar as últimas peças do puzzle do caso que tinha entre mãos quando ela entrou de rompante. Cheirou-me a problemas. Nenhuma mulher com aquela classe entrava num escritório de um detective a não ser que tenha problemas. E ela exalava-os como a um perfume doce e intenso. Estava encharcada e tiritava de frio, tirou a gabardine e pediu-me um cigarro e um copo de whisky.
Chamava-se Vera e disse-me que precisava da minha ajuda.
Olhei-a atentamente e percebi que era de classe alta, uma dessas mulheres da sociedade que casaram por dinheiro. Cobrei-lhe a tarifa máxima, €60 por hora mais despesas, e ela confirmou-me o que já desconfiava, “Dinheiro não é problema.”
Queria que seguisse o marido. Ela desconfiava que estava a ser enganada, e eu percebi que o que ela queria era provas para apresentar no tribunal. Aceitei o caso. Que mais poderia fazer? A vida de um detective privado é difícil e um caso de caras como este não é todos os dias que aparece.
Ela disse-me que marido costumava ir a um sitio chamado o “Querubim D’Ouro”. Um clube chique onde a bebida e as mulheres valem o seu peso em ouro. Reconheci-o por uma fotografia que me tinha dado.Estava numa mesa de canto rodeado por meninas demasiado novas e demasiado embriagadas de álcool e promessas de dinheiro para notarem que ele não passava de um velho tarado.

Sonho

Uma sala vazia, branca. O chão de soalho corrido à portuguesa. No centro da sala uma chaise longue de damasco branco reposa sobre um tapete felpudo. Atirado descuidadamente sobre o móvel, um pano grosso de algodão, tingido de vermelho. A sala é iluminda por quatro grande candelabros em ferro forjado, um em cada canto. Na parede oposta à porta por onde entro existe uma outra de acesso a um pequeno jardim murado. Passo-a. À minha frente existe uma vereda ladeada de buchos pequenos, existem árvores de frutos cuidadas com amor. No centro da vereda, um canal esculpido em pedra, trás água de uma fonte rocócó. Está lua cheia, e o céu estrelado enche o jardim. Sento-me num banco de pedra, polido pelo uso, e deixo-me invadir pelo conforto sob um lençol de estrelas, o canto da água e a luz trémula das velas.
Tudo é perfeito.

Thursday, June 21, 2007

Estive doente.
Além de ser um estado que pouco me cativa, acho impressionante o poder que organismos microscópicos têm sobre nós. Um golpe de vento mal intencionado e pás! estamos doentes.
Como bom exemplar do meu género, os queixumes que eu dava eram tais que a minha reles constipação poderia ser confundida, à primeira vista, com a amputação de uma perna, sem anestesia.
Agora que já passou, o que mais noto é o alívio de não estar doente. É uma sensação em tudo semelhante à de satisfazer um intenso aperto urinário. Uma espécie de torpor e uma estúpida sensação de felicidade.

Friday, June 1, 2007

Metrísses

O metropolitano de lisboa, como qualquer meio de transporte público, é um caldeirão de experiências e de tipos populares. Hoje, contactei com uma das mais antigas espécies populares que, julagava eu, já estaria à muito extinta: a criada de fora.
Não só as duas senhoras serviçais eram de uma singeleza popular, perpétuando a personagem, como também cada uma delas era verdadeira aos tiques da sua região Natal.
Uma nitamente lisboeta, tinha a típica pronuncia com os "chigastichs", os "ádes" e os "não querech lá véri" etc. Imaginei-a em Alfama a lavar a soleira da porta a gritar para a vizinha do primeiro esquerdo os últimos mexericos da rua.
A outra era da Beira Alta. Criada nas fragas da serra, de braços fortes habituados a pôr o panelão na mesa e a obrigar os meninos mais avessos a sopas a ingerirem o sustendo. Claro que tinha bigode e de cada vez que falava, o seu sotaque sibilante, lançava uma chuva de perdigotos.
Folgo em notar que o Português de Eça ainda vive. Anda perdido sobre capas de telemóveis mas ainda se nota lá.